quarta-feira, 21 de julho de 2010

POBRES DA MINHA ALDEIA

Ainda a propósito da Avó Maria do Carmo,professora reformada,viuva ,chefe assumida e respeitada de uma familia numerosa,lenço na cabeça,xaile pelos ombros,chinelos da feira dos vinte e oito e principalmente a humildade que a sua fé em Deus impunha.Sabedoria feita de experiencia de vida e a bondade de uma alma santa que no meio de um largo sorriso,frequentemente se comovia até ás lágrimas!Determinou sem qualquer hipótese de revogação,que todos os pobres e desprotegidos da região,tinham direito a sopa quente e um naco de broa com sardinha assada na chapa do fogão de lenha.Simultaneamante,mandou construir um barracão,para que os mesmos pudessem pernoitar,sempre que tal fosse necessário ou desejável.Por lá passaram o Primavera,o Vintes e toda uma pleíade de figuras tipicas da região,que percorriam as ruas das aldeias vizinhas,na procura de uma felicidade que nunca tinham conhecido,de alguma comida que lhes tamponasse as úlceras gástricas,de um carinho negado ou da sorte sempre madrasta.Foi assim que me habituei a ouvir com todo o respeito as cantigas do Primavera:«Primavera tem lindas flores,como elas não há iguais!Primavera vai e volta sempre,mocidade vai e não volta mais!»Ou então num ritmo mais rápido e descontraido:«Cais,cais,oliveiras olivais,pintassilgos e pardais,rouxinois e caracois,cada vez há mais»!Apoiado no seu cajado inseparável,com manta de sacos velhos pelas costas,barba crescida e dentes alternados,era uma criatura simpática que naõ poucas vezes se cruzava com o Vintes ou o Augusto Camázio,seus companheiros de infortunio e tambem eles utentes do refeitório de Lanhezes!O Vintes era um reformado dos Caminhos de Ferro,alcoólico inveterado no activo,de nome e origem desconhecidos e que devia a alcunha ao facto de constar á boca cheia,ter escrito á Mãe,numa altura em que já nenhuma tasca lhe fiava os copos de três,dizendo:«Minha Mãe morri!!Manda-me vinte escudos para pagar o funeral!»Os vinte escudos que na época eram uma fortuna,nunca chegaram,o funeral nunca foi encomendado,mas a alcunha pegou de estaca!Já o Augusto Camázio era um gigante,acromegálico,com notável atrazo mental,natural das Cavadas de Cima e com uns pés tão grandes que nem de encomenda foi possivel arranjar sapatos que lhe servissem.Quando precisava de uns tostões, fazia uma rusga pelo pinhal do alheio,apanhava sacos de pinhas que transportava com toda a facilidade ás costas e que depois vendia aos vizinhos.Felizmente não tinha necessidade de anunciar a visita,já que o seu porte atlético via-se á distancia e os seus enormes pés martelavam o chão de tal maneira,que as paredes de adobe tremiam como se algum tremor de terra tivesse acontecido!Um perfeito dinossauro!Ainda uma referencia para o «Liósptero»,de familia mais abastada, mas apancado desde que nasceu.Ao Domingo ia á missa,de fato e chapéu na cabeça,banho semanal tomado,barba feita,á espera que um milagre lhe enchesse os bolsos de moedas,sem ter de responder aos miudos, que no fim das orações e a troco de alguns tostões, o rodeavam no adro e lhe pediam para dizer «gasómetro»!A resposta invariável e rentável, era «Lóspetro»...Assim se ganha uma alcunha!Estas e outras personagens inesqueciveis,eram parte integrante de uma vivencia humanista,com lugar cativo no genoma familiar,em que a curiosidade e alguma ingénua diversão,viviam paredes meias com o respeito pela condição humana,numa lição de vida,espontânea e insubestituivel!

Sem comentários:

Enviar um comentário