segunda-feira, 23 de agosto de 2010

PREGO NO CÉREBRO

Uma vez mais de serviço á urgencia do Hospital de S.José,recebi a meio da tarde um telefonema pedindo a minha comparencia no S.O.e alertantando-me desde logo,para o facto de se tratar de um doente com um prego espetado na cabeça!Pelo caminho fui imaginando situações passiveis de provocar este tipo de acidente e na realidade a minha imaginação fértil por natureza, não conseguiu chegar a qualquer conclusão válida.O doente deitado numa maca, estava muito calmo,lucido e colaborou na minha tentativa frustrada de localizar o anunciado prego.Pensei tratar-se de alguma partida que alma caridosa e generosa,entendesse por bem pregar!No entanto depois de ver a radiografia,percebi que o prego era uma cavilha totalmente enfiada no cérebro do paciente,com a cabeça,que depois consegui palpar,rente ao couro cabeludo.Quando calmamente perguntei o que tinha acontecido,respondeu-me uma lágrima grossa que escorreu pela pele tisnada de uma face envelhecida.Perante o seu mutismo, entendi ser altura de resolver a situação o melhor e mais rápidamente possível e baseado na experiencia adquirida ao tirar o punhal da cabeça do Alcides, não tive grande dificuldade em retirar a cavilha,que razava o seio longitudinal superior,numa prova cabal de que a sorte proteje os audazes!Ao segundo dia de um post-operatório sem problemas e quando o senhor António já conseguia esboçar um sorriso,sentei-me a seu lado e pedi que me contasse a história do cérebro encavilhado,que até então ninguem tinha entendido.Meio envergonhado, meio arrependido,explicou ser Pai de filha única,linda como ninguem e casadoira com rapaz abastado da aldeia.Não querendo fazer fraca figura,até porque não é todos os dias que se casa uma filha,resolveu plantar atempadamente alguns terrenos com batata,pensando pagar as dividas entretanto contraidas,com o resultado de uma boa produção.Só que os deuses ou as bruxas invejosas, quem sabe,não estiveram pelos ajustes e uma tempestade nada previsivel naquela época do ano,deu-lhe cabo de todos os tubérculos,deixando-o sem um cêntimo para pagar a boda,o vestido da noiva e a prometida viagem de comboio até ao Luso,terra experiente,consagrada e muito requisitada para as noites de núpcias!A sua honra e a sua boa imagem, que tanto tinham custado a adquirir e manter,estavam postas em causa,os ventos da desgraça martelavam-lhe os neurónios e o tempo era escasso para qualquer solução alternativa!Foi então lentamente para o seu quarto,de martelo e cavilha na mão,pensando que se Cristo cruxificado tinha ressuscitado,tambem ele poderia obter a redenção se encavilhasse a cabeça!Se bem o pensou, melhor o fez e martelada após martelada,conseguiu enterrar totalmente a cavilha,esperando que o gesto de carpintaria,o libertasse da vergonha que antecipava nos olhares e sorrisos dos vizinhos.Só que o gesto acabaria por falhar tanto como a plantação de batata. A sua recuperação fisíca e mental foi muito rápida, para situação tão delicada.Mais tarde vim a saber que o dinheiro apareceu,a boda foi badalada durante meses pelas redondezas,as divídas foram pagas,a honra foi salva e por sorte o tempo voltou a colaborar na produção da batata!Quanto à cavilha,está ferrugenta,há anos enfiada num frasco de vidro transparente,religiosamente guardada na minha estante de recordações,para que mesmo em tempo de crise,ninguém a possa utilizar em qualquer acto de menos nobre carpintaria!

2 comentários:

  1. Foi um acto de coragem a do sr.António,pensar que espetando a cavilha na cabeça iria resolver o seu problema.Espero que quem estiver desesperado não faça a mesma coisa,pois parece que todos os seus problemas foram resolvidos,com cavilha ou sem ela,apesar de dizer que a tem guardada dentro de um frasco na estante das recordações,espero mt sinceramente que ninguém se lembre de ir a uma loja de ferragens para comprar cavilhas e as utilizem da mesma forma a pensar que vai haver um Milagre! :)))))

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