sábado, 12 de outubro de 2013




                     Há dias ,apeteceu-me andar a pé numa avenida de Lisboa,minha preferida desde que aterrei nesta cidade!Tentava espalhar um pouco da angustia que convive ultimamente comigo,na calçada ondulada dos passeios cada vez mais vazios,daquela artéria!

                     Não quiz ver montras,talvez por ter perdido poder de compra,não me apetecia olhar as pessoas que se iam cruzando comigo,nem sequer  o barulho dos motores  ou o extracto de escape dos automóveis,interferiam com o ritmo da minha passada,totalmente comandada e sincronizada com o meu pensamento,ou mais preocupante que isso, com a notória insuficiencia de coordenação de ideias!

                     Foi assim,que passei por uma criatura sentada no chão,com um cartão onde estava escrita uma frase ,a que inicialmente não atribuí qualquer importancia especial,tal a frequencia cada vez maior de situações de miséria,sentadas nos passeios e que esperam desesperadamente por uma ajuda que nem sempre aparece!É que a convivencia diária com situações deste tipo,acaba quase por nos imunizar em relação á desgraça alheia!E foi o quase que me vai restando,que teve papel importante na decisão que tomei uns metros á frente, de voltar para trás!Alguma coisa me dizia que aquela mensagem podia ter alguma coisa de especial em relação a tantas outras!

                      Aproximei-me da criatura e li no cartão acastanhado,em letras já meias sumidas:«Roubaram-me tudo na vida!Ajudem-me a encontrar a morte!»Reparei então,no autor da suplica, que me olhava com uns olhos cansados mas curiosos e sorria com a minha atrapalhação!Piedosamente,contou-me numa voz monocórdica,que já tinha tido uma vida razoável,mas que se tinha deixado levar pelas ofertas de crédito que os bancos lhe foram quase impondo,até ao dia em que começou a sentir na pele os efeitos da crise ,nomeadamente de um despedimento oportunista,sem justa causa,da morte da mulher ainda nova e do abandono a que os filhos o votaram, apesar de estarem a usufruir dos rendimentos dos cursos superiores que com muito sacrificio lhes tinha pago,no tempo das vacas menos magras!Os mesmos bancos que lhe tinham oferecido todo o crédito,levaram-lhe o apartamento de duas assoalhadas e posteriormente o velho automóvel que lhe serviu de abrigo durante algum tempo!Perdido numa cidade agreste,dorme agora debaixo de um viaduto,depois de comer uma sopa que os amigos da carrinha branca fazem o favor de lhe oferecer quase todas as noites!Acabaram-se os sonhos,a motivação,a esperança em dias melhores e a vontade de viver!Os olhos até então tristes e secos debitaram duas lágrimas de um saco lacrimal seguramente exausto!Levantou-se penosamente,recolheu o cartão e com voz sumida afirmou-se muito grato por eu ter falado com ele!Há muito tempo que não conseguia falar com ninguém apesar dos milhares de pessoas que passavam por ali!Tinha ganho o dia,porque eu não o podia ter ajudado melhor!Deu meia volta e afastou-se avenida fora sem olhar para trás!Eu,fiquei preso numa calçada ondulada,que já nada me dizia,durante largos minutos,sem ouvir os automóveis,sem reparar nas pessoas e intoxicado,não pelo fumo dos escapes,mas pela tremenda injustiça e desigualdade social, de que no fundo, de um modo ou de outro, todos somos responsáveis!

              Desde esse dia que nunca mais vi o meu interlocutor!!!Mas a verdade é que sempre que passo no seu posto de desilusão,apetece-me sentar nas pedras da calçada e escrever num cartão castanho:Ajudem-me a perceber a fronteira entre uma vida minimamente digna e a morte libertadora!E se necessário fôr e quando fôr necessário,ajudem-me a morrer!

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