sexta-feira, 3 de setembro de 2010

FEIRA DA LADRA

Aos primeiros raios de sol reflectidos nas águas calmas do Tejo,montam-se as tendas e estendais,mantendo viva uma feira a quem chamaram da Ladra.Ponto de encontro de feirantes e visitantes fiéis,passagem induzida e obrigatória de turistas curiosos.Os linhos,as roupas usadas e bafientas,misturam-se com louças de todas as idades,ferragens,óculos para ver ao perto e para corrigir cataratas,canetas e alfarrábios,violinos e cornetas e até supostas velharias e antiguidades!Na periferia, as tascas esgotam o stock dos pasteis de bacalhau,as febras grelhadas,os couratos fumegantes ou os pregos no pão,sempre acompanhados por um copo de vinho retirado directamente da pipa bem disfarçada no fundo da sala.Ás terças e sábados era quase obrigatória a visita!Ás terças por devoção e aos sábados por obrigação e tradição imposta pelo Chefe Lucas,no fim da visita médica aos doentes do Serviço.O Dr Lucas,com mais poder de compra que qualquer um de nós e sempre bem aconselhado,foi comprando alguns artigos de primeira qualidade.O saudoso Matos Ventura,preocupava-se quase exclusivamente com os alfarrábios relacionados com a segunda guerra mundial.O Maia Miguel,não abdicava da sua passada lenta e do seu ar descontraído,mostrando pouco interesse pelo material exposto,reservando a atenção para outro tipo de material que eventualmente pudesse aparecer.Eu,pouco abonado,armava em conselheiro e acabava por matar o vicío comprando algum prato partido,factor destabilizador e não poucas vezes gerador de total desacordo familiar.O Oliveira Antunes,atento a tudo o que desconfiasse ter valor,marcava desinteressadamente as peças que mais tarde iria buscar.Foi tambem aqui,que numa época em que os meus bolsos e os do amigo Casimiro Menezes, se encontravam mais vazios que o depósito de gasolina do N.S.U.,resolvemos arriscar a venda de um fato relativamente bem confeccionado e conservado,totalmente dispensável em função da dificuldade que se avolumava a cada minuto,de poder adquirir e ingerir qualquer tipo de alimento!Metemos a magnifica peça de vestuário num malão que transportámos na mala do carro, aliviado do peso do combustível,até ao gradeamento da feira,na proximidade do Hospital da Marinha.Acordámos que eu ficaria no carro mal estacionado, evitando qualquer multa inoportuna. O desejado negócio,essencial á nossa sobrevivencia,seria conduzido pelo Casimiro.Doeu-me a alma ver o meu amigo,magro,escoliótico e esfomeado,subir a interminável rampa, á procura de comprador!Doeu-me o corpo todo e em especial o estômago totalmente vazio,quando largos minutos depois, o vi regressar com ar furibundo,afirmando alto e bom som,não ter vendido o fato,já que o máximo que os desavergonhados oportunistas tinham oferecido,eram cem escudos,quando no minimo valia duzentos!Como era de esperar, nem mesmo a necessidade absoluta,foi suficiente para alterar uma questão de principio!Regressámos ainda mais preocupados e quase em hipoglicémia,mas orgulhosos da posição assumida,aproveitando as descidas, para em ponto morto, poupar a gasolina que nos havia de permitir chegar a casa da bela e suculenta D.Mira. Aí aconteceu o milagre habitual da Avó Maria!Á nossa espera,estava um vale de correio de quinhentos escudos,como sempre consequente ao sexto sentido daquela santa.Saudámos efusivamente a possibilidade de salvar o fato e a honra,mas principalmente o lauto jantar que se adivinhava na Mourama,restaurante galego,eleito em dias de festa e de alivio financeiro.Enquanto esperava e salivava pelo magnífico bife com presunto,ovo a cavalo e molho de natas permissivo ás sopas de pão,senti que a nossa amizade se consolidava á custa de episódios deste género e pela defesa dos princípios sagrados da ética comercial e moral,de que nunca abdicámos!Como de costume, apeteceu-me mandar uma curta mensagem para Aveiro:Deus lhe pague Avó!Avé Maria...

1 comentário:

  1. Agora dá para perceber aonde foi buscar o gosto por peças antigas!A feira da Ladra é e sempre será um local aonde se pode encontra td,roubado,outros a tentar vender para conseguir sobreviver,pois o desemprego está cada vez mais a aumentar,e,as ajudas do nosso governo são poucas ou nenhumas.Tal como vocês tentaram vender um fato para "matar" a fome,outros tentam fazer a mesma coisa para porem comer na mesa para tb "matarem" a fome das suas familias!Como ser humano que sou fiquei comovido com este episodio da sua vida!!

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