quarta-feira, 22 de setembro de 2010

HUMOR DO CHEFE

Na sequência do que escrevi sobre o humor do Dr. Lucas dos Santos,lembrei-me de vários episódios que aconteceram ao longo dos anos.Recordo com saudade,uma célebre e acidentada viagem rumo ao Monte da Soalheira,em pleno Alentejo,que tinha sido adquirido há pouco tempo e como tal impunha-se o transporte do mobiliário seleccionado e comprado para o efeito.Nada melhor que o magnifico Saab,para o levar!Ainda hoje estou para saber como me consegui sentar entre cadeiras e secretárias, todo encarquilhado e mal conseguindo respirar!Só o facto de me ir revesando com o Maia Miguel no lugar da frente,permitiu ultrapassar tal prova de resistência!Estava escrito no entanto, que nem tudo iria correr pelo melhor.Foi mandado parar por um polícia de viação,por ter atropelado um traço contínuo e só o facto de ser médico da corporação, o safou da multa e da eventual apreensão de carta!Um pouco mais á frente,a embraiagem recusou colaboração,limitando a caixa de velocidades á segunda e á quarta,sem qualquer hipótese de por exemplo,se meter a marcha- atrás!O diagnóstico foi feito de imediato:era o óleo da caixa que aquecia e nada como prosseguir viagem em ritmo mais lento,permitindo arrefecer progressivamente o lubrificante e como tal retomar as funções da caixa, na plenitude.Não é dificil calcular a epopeia para chegar ao Monte,onde após visita pormenorizada,descarregámos a mobília.Depois de colocar com algum esforço um tanque de cimento,num ponto mais alto,tivemos de empurrar o desgraçado Saab,possibilitando as manobras necessárias ao regresso a Lisboa,arrancando em segunda e mantendo o ritmo em quarta!Viémos a saber depois que o óleo estava inocente,por reduzido quase a zero.Seguramente que os responsáveis da Saab não deixaram de aproveitar o incidente para comprovar a eficiência do seu material!Eficiente,foi também a manobra adoptada para pôr fim a desgastante consulta,que se prolongava pela noite dentro e em que o risco de ver inimigos em vez de doentes, era uma realidade.Pediu para ser conduzido em cadeira de rodas até á porta de saída,assumindo um fácies doentio e pedindo a remarcação dos doentes que faltava observar!Recuperou rápidamente e um bom jantar acabou de vez com o incidente,que ficou célebre e registado nos anais do HCVP.Foi o desgaste provocado pelo elevadíssimo número de doentes que observava e a intensidade das cirurgias que efectuava,que o levou a passar pelas brasas,numa reunião post-prandial na Gulbenkian,perante o desespêro da Dra Cristina da Câmara que o acompanhava e se esforçava disfarçadamente para o acordar,ou pelo menos para evitar que um ressonar pouco oportuno,acabasse com o discurso monótono e prolixo do Administrador e a consequente inviabilização da oferta de material para o Serviço.No fim,como é costume, tudo acabou bem e o equipamento foi concedido a tempo e horas.Onde não houve concessões,foi na entrevista concedida á Capital,com honras de fotografia na primeira página,onde o comentário que lhe pediram sobre a técnica de recuperação de lesões medulares,que um chinês se propunha ensaiar no HCVP,foi tão sintético quanto incisivo:É UMA VIGARICE! E era,de tal maneira que nunca mais ninguem ouviu falar do chinês e muito menos da sua técnica!Japonês era o meu humilde Datsun100A,requisitado e transformado em Fórmula 1,pelas ruas da capital.De buzina em altos berros e piscas intermitentes,ignorando vermelhos e cruzamentos,transportou o Chefe,com a máxima urgência ,aos cuidados intensivos da Clinica da Cruz Vermelha,para lhe ser administrado na veia, potente analgésico,pondo fim a dilacerante dôr de dentes!A preocupação que a crise e o aparato provocou em todo o mundo,terminaria num sorriso aliviado e descontraído do paciente e no reconhecimento absoluto das minhas qualidades de condutor de veículos ligeiros,transformados em velozes ambulâncias!Rapidez era o que se pedia,para ultrapassar um atraso na chegada ao bloco operatório,ainda mais,condicionado pela fila na entrada para o elevador da Clínica.Ouviu-se então um «cuidado que há bomba!»que afastou as pessoas á procura do local do rebentamento,permitindo a nossa entrada no elevador e a chegada a horas ao bloco operatório,onde vivemos muitas horas felizes e algumas preocupantes.Destas, não resisto a contar uma cena, que para além dos suores frios,poderia ter trazido outro tipo de complicações.Numa bela tarde de um fim de semana,foi necessário operar um jovem paciente ,com um enorme hematoma temporal,que tudo levava a crer ser espontâneo,ou consequente á hemorragia de pequeno vaso não visualizável.O médico assistente do doente, pediu autorização para assistir á intervenção,que de imediato lhe foi concedida.A craniotomia e abertura da dura-máter,decorreu sem qualquer incidente,com a rapidez e elegância a que o Chefe nos habituara.O problema começou,quando puncionado e aspirado o negro hematoma,ficámos mais ou menos estarrecidos,com um magnífico exemplar de aneurisma da cerebral média ,pronto a sangrar desalmadamente,a qualquer momento!Impunha-se a clipagem rápida,mas infelizmente os clipes existentes em stock não eram os mais adequados!Foi então dada ordem á instrumentista, para rápidamente se deslocar em ambulância,ao Serviço de Neurocirurgia do Hospital de São José,tentando o empréstimo do clip ideal para aquela situação.Só que ninguém se lembrou que era fim de semana e a chefe do bloco não estava,o que obrigou a nova viagem até Moscavide,para a ir buscar.Como é fácil de calcular,a situação prolongou-se durante cerca de duas horas.A par dos suores frios que teimavam em me inundar a testa, sempre que olhava para a simpática bolinha,o cirurgião inventou toda a espécie de manobras de diversão e sublimação de maus agoiros,que distrairam o espirito do médico assistente, evitando possível pânico, nada aconselhável naquela dificil conjuntura!Não há memória de hemostase tão exaustiva,nem suspensão de dura tão perfeita e muito menos de aspirador que tanto funcionasse, sem nada aspirar!O nosso colega nunca se apercebeu da delicada situação,o clip acabou por chegar,o aneurisma foi brilhante e definitivamente excluído de circulação e o paciente fez uma rápida recuperação.Quanto a nós ficámos com a garantia de ter mais uma história real, para contar aos nossos netos.Foi de CHEFE!

1 comentário:

  1. Muito bom!O Dr.Lucas dos Santos é uma pessoa que nos consegue surpreender,pela positiva.Sim porque para além destas história deve haver muitas mais,estou por exemplo a lembrar-me de uma.Nessa altura conhecia o Dr.Lucas à pouco tempo e ele tinha dois consultórios,um dos quais ficava num andar de um prédio em Lisboa.Houve um dia que por qualquer motivo chegou atrasado,quando entra no prédio vê pessoas(doentes)sentadas nas escadas,e,como quem não quer a coisa pergunta a um doente o que se estava a passar.A pessoa responde,o Dr.ainda não chegou,já está muito atrasado e ele responde,que também tem uma consulta mas que não vai ficar à espera.Dá meia volta e vai-se embora,ou seja não fez consulta.Telefona depois para a assistente do consultório a informar o que se tinha passado.Resumindo nesse dia não fez consulta,sorte não ter sido reconhecido!!!É demais!

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